Tradução de “Into the Hyacinth” (Omenana, Issue 25, July 2023)
Traduzido por/Translated by:
Ana Júlia Arruda dos Santos
Yasmin Zago Batista
Piet olhou para o e-mail vazio que estava tentando digitar. Ele se levantou e se ocupou em consertar coisas que não precisavam ser consertadas. Trocou lâmpadas velhas que ainda estavam funcionando. Ele saiu e ligou todos os quatro carros. Ele os deixou funcionando individualmente por cinco minutos cada. Abriu os capôs, verificou o óleo e a água. Foi até o jardim e arrancou algumas ervas daninhas. Então limpou o filtro da bomba da piscina. Não havia folhas no filtro, mas ele o tirou do mesmo jeito. Tirou o inseto assustador da piscina. Desmontou cada segmento para verificar se não havia nada preso dentro. Não havia nada preso dentro. Então tomou uma cerveja Castle Lager.
Ligou no jogo de rugby, assistiu por dez minutos e depois voltou para o computador.
– Marelize – ele digitou para sua filha distante. – Como você sabe, sua mãe está morta, mas você não sabe realmente como. Tentamos manter isso em segredo, mas preciso lhe contar a verdade. Ela se afogou.
Depois que essa primeira frase difícil tinha saído, ele voltou a assistir ao jogo de rúgbi.
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– Então ja Marelize, – Piet continuou o e-mail. – Ela se afogou. Não sei como explicar exatamente. Ela ficou mais preocupada nos últimos anos. Tentei não te incomodar muito com isso. Talvez tenha sido depois que o Trump foi eleito. Não tenho muita certeza. Ela pareceu muito chateada com esse fato, entre outras coisas. Não fiquei muito incomodado com isso. Ele simplesmente me pareceu um cara franco e direto.
– De qualquer forma, ela se envolveu muito com o Arrebatamento depois disso, mas de uma forma muito blasfema. Quase agourenta. Ela se convenceu de que o fim do mundo estava chegando. Ao mesmo tempo, também começou a ficar obcecada com o jacinto-d’água. É uma planta. Ela disse que a mãe jacinto estava falando com ela da Represa Hartbeespoort. Chamando-a para se tornarem uma, e essa era a única maneira dos humanos sobreviverem ao apocalipse que se aproximava. O pastor ficou muito chateado com suas novas crenças, especialmente depois que ela parou de frequentar a igreja regularmente.
– Desde que você foi embora, a represa ficou cheia de jacintos. Não conseguem se livrar disso. Eles simplesmente voltam. Têm muitos especialistas da Universidade de Rhodes e tal para explicar como é difícil se livrar disso. Muitas sementes na represa ao longo dos anos. Coisas assim. A planta é aparentemente da Amazônia, pelo que li. Foi espalhada durante o colonialismo, dizem, mas eu não gosto muito dessa coisa de culpar o racismo e o colonialismo por tudo. É uma atitude preguiçosa. As pessoas devem assumir a responsabilidade por si mesmas e pelas situações.
– Então, ja. Sua mãe disse que ela está se transformando em jacinto. Foi quando começou a piorar. Vou ser homem e admitir que ignorei algumas coisas quando não deveria. Foi difícil acompanhar. Sou da velha guarda, sabe? Realmente não entendo esses tipos de coisas e problemas mentais. Sabe, como quando você começou a falar sobre essa palavra, “queer”, nessas siglas en al daai moerse, e identidade, e outras coisas. Realmente não entendo essas coisas. Essas coisas mentais. Só pensei em orar por você.
Piet parou de digitar quando a exaustão chegou. Seus braços estavam pesados e seus ombros queimavam com o peso. Era tarde da noite, e o corte de energia estava chegando. Normalmente ele não estaria acordado para o horário das 3 da manhã, mas depois da morte de Marykie, ele não conseguia dormir de verdade.
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Outra semana passou em questão de minutos. O tempo havia perdido a forma. Piet se sentia fatigado com o que havia escrito, mas estava tão desacorçoado pela verdade. A verdade que ele não havia contado à filha. Ela já estava distante, afinal, então por que jogar nela o peso da loucura que ele havia testemunhado?
Ele desceu até a cozinha e serviu-se de klippies e coca. Talvez o conhaque Klipdrift o ajudasse a dormir, ele disse a si mesmo, em muitas noites. Ele sentou-se na sala de estar vazia e agora cada vez mais oca. Parecia que as paredes estavam constantemente se fechando, e o silêncio estava berrando para ele em uma alta frequência ininterrupta de ruído branco. Ele ligou o rugby. Os Bulls contra os Sharks. Ele já tinha assistido a essa partida? Isso importava?
Outra semana se passou, dessa vez pareceu em questão de segundos. Seus amigos estavam cobrindo-o na concessionária de carros. Piet tinha tirado uma folga, mas o tempo parecia se estender e se estender sem fim, e ele estava sempre cansado, e a energia que ele buscava para voltar ao trabalho parecia estar fugindo dele, constantemente apenas alguns passos à frente. Ele nunca conseguia alcançá-lo.
Ele precisava desabafar. Ele precisava contar a Marelize. Ele reuniu forças para juntar mais algumas palavras.
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– Então ja, você sabe. Estou bem e tudo mais. Não tão mal. Não se preocupe. Você não precisa se preocupar comigo. Entendo que eu te frustro. Ou qual era a palavra que vocês, laaities, usam? Gatilho? Gatilhos…
– Você não precisa voltar. Estou bem. Você disse que tinha suas razões para deixar o país. Está tudo bem. Eu posso entender querer viver sem crimes constantes e cortes de energia. É a coisa humana a se fazer.
– Mas como estava tentando explicar. Sua mãe. Não foi tão simples como ela morreu. Suicídio é uma coisa muito ruim. Espero que você saiba disso. É um pecado. O pastor ficou muito decepcionado. Decidimos não contar a ninguém de fora da família. Não que você seja de fora da família, mas, ag, você sabe o que quero dizer. Foi constrangedor, então não queríamos que os outros soubessem. Quero dizer, sua mãe era um modelo na igreja. Não podíamos decepcionar as crianças daquele jeito.
– De qualquer forma, onde eu estava? Ela dizia que sua pele estava ficando verde e que quando ela se olhava no espelho, seus olhos eram flores roxas. Seu cabelo era flores. Ela ficava dizendo que tinha flores na cabeça.
– Foi na igreja que a vimos se machucar pela primeira vez. Eu nem sabia que ela tinha uma faca com ela. O pastor estava dando seu sermão e do nada ela simplesmente se levantou e caminhou até o púlpito. Todos estavam muito confusos. Ela então começou a tirar a roupa. A roupa todas, quero dizer. Estávamos todos congelados em choque. Algumas pessoas estavam gritando. Ela cortou seus antebraços e disse a todos para olharem para seu sangue verde. Então ela começou a pregar freneticamente sobre o Arrebatamento, que a eleição de Donald Trump era o sinal do fim dos tempos. Logo uma praga viria, e a terra não nos sustentaria mais, e tínhamos que nos tornar um com o jacinto se quiséssemos permanecer vivos. Ela estava frenética, acenando com as mãos e espirrando sangue por todo lado até cair inconsciente.
– Aconteceu de novo uma semana ou mais depois. Felizmente não na igreja. Teria sido muito embaraçoso acontecer lá de novo. Sua mãe disse que queria se tornar fertilizante. Eu ri primeiro, então ela continuou falando sobre como o jacinto pode ser reutilizado como fertilizante, então se todos nós nos tornarmos um com a mãe jacinto, sobreviveremos ao fim dos tempos sendo reabsorvidos pela terra. Foi uma coisa bem ruim de se ouvir.
– Era o que os especialistas diziam. As pessoas vinham com uma caminhonete pequena e pegavam o jacinto em pedaços. Um dia, sua mãe saiu correndo e gritou com os trabalhadores para tirá-la de mim. Ela disse que eu era um marido horrível, que eu tinha arruinado você com minhas palhaçadas, e eu não acreditava que ela era um jacinto. Eles riram sem jeito para manter a paz, até que ela levantou seu vestido floral de verão e cortou um pedaço de sua coxa. Desta vez foi com uma tesoura.
– Ela levantou a fatia para mostrar que era verde como uma planta. Alguns deles pularam e começaram a se afastar. Logo depois eu a controlei. Essa foi a segunda vez que fomos ao médico depois que ela se automutilou. O médico fez muitas perguntas e recomendou um psiquiatra. Eu pensei em você, ag, mas não é assim que você resolve problemas. Mas então outro dia eu a encontrei no banheiro; ela tinha raspado a cabeça. Ela disse que estava podando as flores. Ela colocou tufos de cabelos em vasos pela casa. Ela me forçava a olhar para a linda cor roxa por horas. Eu só via cabelo, mas eu tentava o meu melhor. Bem, pior do que isso, ela começou a cortar o próprio couro cabeludo. Ela colocava pedaços nos vasos também.
– Finalmente, consultamos alguém, e ela disse que sua mãe tinha um caso grave de esquizofrenia. A sugestão foi interná-la até que pudessem estabilizá-la. Nem fodendo. Ninguém iria internar minha Marykie. Eu disse a eles para irem se danar. Na época, eu tinha certeza de que conseguiria lidar com isso.
– Você sabe que eu mantenho as coisas simples. Vou para o trabalho e volto. Vou à igreja. Assisto ao rugby. Este último time dos Boks está indo muito bem. Muito bem. O rugby é tão importante, sabia? Não gosto quando dizem que há racismo no rugby. Não há racismo no rugby. É um esporte, sabia? Não se vê política no esporte. Você consegue imaginar apresentadores esportivos saindo furiosos de um programa porque acham que há racismo? Muito pouco profissional. Duvido que esse tipo de coisa aconteça no Reino Unido. Eles provavelmente são mais sofisticados aí. Mas essa é a África do Sul para você. As pessoas sempre puxam a carta racial. Acho que é por isso que você foi embora, talvez.
A eletricidade foi cortada assim que Piet terminou a frase. Novamente, distraído e cansado, ele tinha esquecido de verificar o cronograma de corte de energia. Ele apenas ficou sentado lá no escuro, o que tinha se tornado cada vez mais confortável para ele. Ele se perguntou se o e-mail tinha sido salvo. Ele meio que esperava que não tivesse. Estava demorando mais para terminar do que ele pensava. Marelize era apenas uma criança, como ele poderia estar tendo dificuldades para escrever para ela? Ele sabia que não deveria ligar. Ele sabia que ela não gostava disso. Como ele poderia ter esquecido de pegar gasolina para o gerador?
Os outros geradores zumbiam na escuridão. Ele se perguntou se Marelize e Marykie ainda estavam se falando. Mesmo antes de ela começar a sair em horários estranhos da noite para ficar perto da água, ele pensou ter ouvido Marykie tendo conversas sussurradas à noite.
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A eletricidade só voltou na tarde seguinte. Por fim, ele cochilou vendo o rugby, que tinha salvo no celular. Acordou para fazer café, pois, de acordo com a programação, deveria ter energia. Chegou até a colocar água e sua mistura favorita de café moído na máquina. Ainda meio dormindo, apertou o botão de energia várias vezes, esperando a luz vermelha que nunca acendeu. Seus ouvidos ligaram, e ele ouviu o zumbido sinistro do gerador nas outras casas. Revirou os olhos e apertou um interruptor para ter certeza, pois sempre havia uma esperança lamentável de que talvez a energia estivesse ligada, mesmo quando se sabia que não estava. Depois, ele folheou as mensagens do grupo de WhatsApp do bairro irritado, descobrindo que a companhia de energia tinha que consertar isso ou aquilo, e não sabia quando a energia voltaria. Ele xingou, subiu as escadas e molhou o rosto antes de entrar na caminhonete e dirigir até o Mugg & Bean para tomar café da manhã. Eles tinham um gerador e internet, pelo menos.
Depois de tomar café e comer uma omelete, Piet deixou a Mugg & Bean e foi até o posto da Engen para comprar um pouco de gasolina. Quando chegou em casa, ligou o gerador e, assim que o fez, a energia voltou. Ele foi até o computador e, um tanto decepcionantemente, o e-mail havia sido salvo. Ele teve que continuar.
Sentado em seu computador, ele sentiu seu joelho ruim. Ainda sensível depois de todos esses anos. A lesão que arruinou sua carreira de rugby na universidade. Era besteira. O joelho não havia o desacelerado em nada. Ele havia se apresentado naquela partida do jeito que sempre se apresentou. Era como seu pai havia dito. “Aquele kaffir entrou no time
por causa da ação afirmativa.” Piet não gostava da palavra kaffir. Eram os velhos costumes. Mas ele entendia o que seu pai queria dizer. Os negros que governavam o país estavam apenas contratando seus familiares. Mesmo em lugares que não deveriam ser políticos como esportes, eles tinham que trazer o assunto da raça sem motivo. Isso era verdade.
O joelho o lembrou da noite em que Marykie o levou à represa para ver a mãe jacinto. O frio fez seu joelho formigar, e formigava muito naquela noite por estar muito frio.
– Então, ja. Sua mãe me fez ir até a represa com ela uma noite. Estava muito frio naquela noite. Novamente, fiquei confuso, mas deixei que ela me convencesse a ir até a represa de qualquer maneira. Descemos em silêncio com uma lanterna mostrando o caminho. Estava assustadoramente quieto e quase não havia animais lá fora, o que era bem estranho. Chegamos à água e sua mãe ficou muito, muito animada.
– Você a vê? – Ela continuou gritando. – Olhe para sua majestade!
– Eu não conseguia ver nada além da escuridão e do reflexo da lua na água calma, mas sua mãe continuou.
– Olhe para aquela linda cor azul! É tão adorável! Oh, ela está me chamando para a água.
– Naquele momento, ela avançou para a água. Ela entrou direto. Roupas e tudo. Eu tive que correr e arrastá-la para fora eu mesmo. Ela estava histérica, e só quando voltamos para casa eu consegui acalmá-la. A água estava tão fria que meu joelho estava tinindo de dor.
A energia acabou, mas o computador continuou ligado, com o zumbido do gerador entrando em ação. Piet verificou o horário. Três da manhã novamente. A programação estava certa esta noite. Ele pensou várias vezes sobre aquela noite e, por fim, descobriu que não conseguia se conter. Ele se levantou do computador e encontrou a lanterna. Imediatamente após terminar de escrever, tudo parecia estranho. Ou familiar, como se a presença de Marykie estivesse na casa.
Ele saiu e começou seu caminho até a represa. Estava frio, se não mais frio do que naquela noite, e novamente, assustadoramente silencioso com a ausência de presença animal. Conforme se aproximava da água, ele pensou que podia ouvir vozes, mas quando chegou à água não havia ninguém lá. No entanto, ele ainda podia ouvir uma voz, e descobriu que era a voz de Marykie, chamando-o do silêncio da água.
Ele estava hesitante. Quase assustado a essa altura. Ele não podia realmente estar ouvindo a voz de Marykie, podia? Seria impossível.
Piet se arrastou para mais perto da água, e pensou que podia ver Marykie acima dela, pairando nua e coberta por uma névoa azul escura. Ela estava envolta nas folhas planas, mas semelhantes a dedos, do jacinto, e carregava um ramalhete de flores de jacinto roxas brilhantes, criando uma espécie de miragem cintilante pulsando na sua cabeça.
Ele estava tão perto da água agora, que podia sentir o frio vindo dela, atravessando as camadas de roupas que ele estava usando. O chão parecia pulsar abaixo dele, e ele sentiu a umidade penetrando em suas botas, através de suas meias, deixando seus pés dormentes, mas também doloridos. As longas folhas de jacinto em forma de dedos saíram deslizando da represa e se enrolaram em suas pernas, então ele estava se afogando.
Enquanto o pulmão dele se enchia de água e o frio machucava sua pele, ele podia ouvir Marykie falando.
– Piet, meu amor, estou tão feliz que você se juntou a nós. Agora você entende que ela é real. Podemos nos tornar um, mas, oh, espere, você precisa terminar de escrever para Marelize. Ela precisa saber sobre a mãe jacinto também. Ela precisa se salvar do mundo moribundo. Estaremos juntos em breve.
Piet foi libertado do afogamento. Ele acordou na cama, congelando, encharcado de água e tossindo o excesso de líquido que havia se acumulado em seus pulmões. Enquanto vomitava a água, ele percebeu que o quarto inteiro estava molhado, e havia jacintos por toda parte. Lindas flores azuis e roxas adornavam seu chão e grudavam nas paredes e armários. Ele caiu de volta na cama exausto, incapaz de reunir forças e lutar para chegar até o banheiro e tirar as roupas molhadas que estavam fazendo sua pele arder. Finalmente ele conseguiu, e se secou com uma toalha. O pior do frio levou alguns minutos para sair dele. Então ele andou na ponta dos pés pelo chão frio e congelado de umidade e jacinto até o armário e puxou algo quente para vestir. O quarto estava muito frio. Ele não conseguiu lidar com isso então, saiu e foi para o antigo quarto de Marelize, ainda cheio de todas as suas coisas, e caiu na cama, cobrindo-se com cobertores e bichos de pelúcia até atingir uma temperatura suportável.
Enquanto ele estava deitado ali, o gerador zumbiu, e ele percebeu que não tinha ideia de que horas eram, ou quanto tempo havia se passado. Seu celular não ligava, arruinado por causa do afogamento, se ele realmente havia se afogado, se algo da noite anterior realmente havia acontecido. Ele desceu a escada até a televisão para se orientar. Era o dia seguinte. A manhã seguinte, na verdade. Ele estava no horário de corte de energia das 9h às 11h30. Ele ligou o rugby, mas depois de alguns minutos o gerador desligou, e a TV ficou preta, então ele foi pegar uma cerveja, e voltou a olhar a tela preta. Às 11h30, a energia não voltou, e ele resmungou, antes de adormecer no sofá.
Quando ele acordou por volta das 16h, ainda não havia energia elétrica e ele sabia que teria que ir buscar mais gasolina.
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A energia elétrica ficou desligada por três dias. Piet estava perdido como sempre quanto ao seu próximo movimento. Ele não conseguia explicar os eventos e não queria pensar sobre isso também, e você não pode pensar demorado assim, pois isso será o seu fim, e você estará pensando e dizendo coisas estranhas como Marykie tinha feito. Todos os tipos de corredores surgiam no labirinto da sua mente com suas próprias entradas e saídas variadas ajudando coisas que não deveriam sair. Você tinha que ser prático antes que as coisas em sua mente começassem a se descontrolar, e a escuridão o engolfasse e você estivesse reclamando sobre criaturas na represa e o Arrebatamento, e a igreja o condenaria ao ostracismo, com seus colegas pensando que você é mau.
Era isso. Era um sonho. E esse era o fim. Ele simplesmente precisava terminar seu e-mail para Marelize. Tudo seria resolvido e a vida seguiria em frente. De volta ao normal, assim, tão fácil quanto trocar uma lâmpada. Eram 3h20 da manhã e o zumbido do gerador morreu, então as luzes e o rugby foram cortados, e mais uma vez, mais uma vez, Piet foi deixado na escuridão e no silêncio. Três dias sem energia enquanto tentava juntar os pedaços da sua vida significavam que Piet tinha esquecido de comprar mais gasolina. A escuridão parecia menos ameaçadora dessa vez, pois pelo menos ele havia alcançado um ponto de resolução.
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– Então ja, Marelize, acho que é isso. Não tenho certeza, mas uma noite sua mãe voltou para a represa sem mim. Não sei. Talvez seja por isso que tenho dificuldade para dormir à noite agora. Talvez se eu estivesse acordado ela não pudesse ter escapado daquele jeito. Aquele psiquiatra me avisou que ela poderia precisar de vigilância constante, então ja, talvez eu tenha cometido um erro aí, mas você não pode sempre ouvir essas pessoas que inventam todo esse papo furado sobre doenças mentais e novos gêneros, e todo esse papo furado esquisito. Quero dizer, imagine o que os africâneres da velha guarda pensariam de tamanha suavidade depois de tudo que conquistamos neste país. Jissus, é uma pena.
– Não era para terminar em uma nota amarga. Então ja, agora você já sabe. Claro, por favor, não envie este e-mail para outras pessoas, pois eu já disse que é uma situação um pouco difícil e queremos que as pessoas se lembrem de sua mãe como ela era, sabe? Não como uma suicida com alguma doença mental falsa, mas apenas uma esposa e mãe africâner forte e amorosa. Uma pessoa que faz parte da igreja e está disposta a servir a Deus. Você não precisa responder ou algo assim, tudo bem, eu só pensei que você, de todas as pessoas, deveria saber a verdade. Era muita coisa para eu segurar dentro de mim.
– Desejo a todos as bênçãos de Deus e uma vida frutífera, meu amor! Lembre-se sempre de que tudo isso é plano de Deus e ele apresenta dificuldades que sempre podemos superar. Eu vou superar, e tenho certeza de que você também vai. Aproveite o Reino Unido! É muito melhor do que aqui, e mesmo que a gente não se fale, fico muito satisfeito em saber que você está em um país que realmente tem futuro.
Do seu pai amoroso,
Piet.
Piet ficou sentado por um tempo reunindo coragem. Ele sentiu sua determinação retornar e clicou em enviar o e-mail. Um e-mail que levou uma vida inteira para escrever. Um e-mail que ele sentiu que havia drenado algo de sua essência. Tudo parecia terminado agora, mesmo quando a energia acabou e seu gerador entrou em ação com aquele zumbido familiar. Pela primeira vez em algum tempo, Piet sentiu uma sensação de tranquilidade e conforto.
Piet colocou uma música famosa e relaxante e apenas sentou-se por um momento. Uma brisa calma passou e ele se lembrou de limpar os jacintos de seu quarto, e de como estava frio lá dentro por dias, e como os roxos e azuis ainda manchavam algumas paredes e teto. O cheiro de Marykie permaneceu no quarto e às vezes ele via aquela miragem cintilante de seu cabelo pulsando no teto antes de adormecer à noite. Nada para se preocupar. Apenas sua mente pregando peças nele.
Naquele momento, ele recebeu uma nova notificação por e-mail. Primeiro, ele se recusou a pensar que Marelize já havia respondido, antes de pensar melhor e dar uma olhada adequada no remetente e no assunto. Era da administração da propriedade e estava marcado como “Tragédia na propriedade”. Preocupado, ele abriu como se estivesse esperando e leu.
– Caros moradores da propriedade. Lamentamos informar sobre os trágicos eventos da noite passada, quando a família do número 57 se afogou na represa. Atualmente, não temos muitos detalhes, mas, de alguma forma, parece que todos eles entraram voluntariamente na represa por uma das entradas dos barcos e se afogaram. A filha deles foi uma das principais nadadoras olímpicas jovens a surgir na África do Sul, o que torna tudo ainda mais estranho e infeliz. Atualizações seguirão à medida que descobrirmos mais.
O joelho de Piet começou a formigar, e ele sentiu frio. Não era nada para se preocupar, pois o inverno ainda estava a todo vapor, apesar daquela chuva anormal que tinha ocorrido. Geralmente só chovia no verão em Hartbeespoort. Estava tudo bem. O joelho de Piet parou de doer, e sobre a música que ele tinha colocado para tocar, ele podia ouvir a bela voz de coral de Marykie cantando para ele da represa. Ele pausou a música e escutou.
Mandisi Nkomo é um escritor, baterista, compositor e produtor sul-africano. Ele atualmente reside em Hartebeespoort, na África do Sul. Sua ficção foi publicada nos moldes de Afrosf: Ficção Científica por Autores Africanos, AfroSF V3 e Omenana. Seus poemass foram publicados no #The Coinage Book One, e seu trabalho acadêmico foi publicado no The Thinker. Ele também é um membro da Sociedade de Ficção Especulativa Africana. Para atualizações e informações sobre os projetos musicais e literários, siga ele no Twitter, Instagram ou Facebook. Ele também mantém um blog com o seu